Era um menino. Desses do tipo mais comum nos subúrbios dos Estados Unidos: sem muito dinheiro, sem muitos sonhos, sem muito o que fazer. Mas tinha uma mãe e uma irmã. Enquanto a mãe trabalhava, ele ficava em casa, com a irmã, de papo para o ar, pensando em como ocupar aquele tempo que parecia não passar nunca. E então vieram os jogos, passatempo milenar da humanidade. Veio o xadrez. E então a vida começou.
É por isso que Fischer, Bobby para nós, os íntimos, disse que O Xadrez é a Vida. Para ele, que tinha tudo para ser mais um entre tantos jovens americanos, cercado de oportunidades e possibilidades, mas ao mesmo tempo tão distante e incapaz para elas, a vida realmente começou com o jogo de xadrez. E vejam que foi a irmã que o ensinou (não contive o comentário feminista...).
E justamente aquele que era somente mais um veio a se tornar o único campeão mundial norte-americano, fazendo com que seu país – este mesmo ingrato que lhe negou perdão e abrigo -, configurasse mais uma vez no rol dos grandes feitos. Uma hegemonia precisa disso, de grandes feitos de seus cidadãos. Ainda que esta cidadania seja limitada pelos interesses mais sórdidos, como os de caráter político na Guerra Fria...
Fischer se tornou uma lenda viva-quase-morta, e durante seu desaparecimento a mente daqueles já acostumados ao exercício de pensar – os tais enxadristas – ferveu imaginando o que diabos haveria acontecido com aquele gênio, causando balbúrdia até para aqueles que nem sabiam o que era xadrez. E talvez essa tenha sido sua maior contribuição ao jogo: a polêmica gerou curiosidade, e assim muitos começaram a jogar xadrez influenciados pelos acontecimentos relacionados à Fischer.
Ele se foi. Já estava velho, provavelmente cansado e sem muitas expectativas em relação à própria vida. Foi genial e soube sê-lo. Aproveitou de sua posição e disse o que podia e não podia, foi ousado, excêntrico, bagunçou mentes, deixou políticos com cabelos brancos, intimidou os soviéticos, e simplesmente levou ao limite as potencialidades de um tabuleiro e algumas peças na forma de jogo de xadrez. Suas partidas são exemplos históricos de estética enxadrística. E é assim que lembraremos dele, do artista Fischer. Do menino Bobby. Do enxadrista-menino que sempre brincou com a irmã de jogar xadrez.
5 comentários:
e eu insisto que se Fisher encontrou a sua arte através da irmã, no mínimo não devia ter subestimado as mulheres toda a sua vida.
no mais, também insisto e concordo que ele era genial.
dois beijos.
Parabéns pelo texto. Interessante.
Só duvido que ele era um menino "sem muitos sonhos", pois talvez tenha sido o menino mais sonhador do mundo.
Dizia que preferia ser o maior do mundo no xadrez do que um qualquer em outra carreira e também anunciou com grande antecedência que seria campeão mundial.
Ele tinha uma arrogância paradoxalmente simpática a todos.
Concordamos de que foi o maior de todos, pelo conjunto da obra.
Abraços.
Muito bom!
Porém... "lenda viva-quase-morta"
Mas sempre insisto em perguntar... Porque muitas de "nossas" escritas, daquelas memoráveis, aparecem só depois de tais terem nos deixado?
Olá bela enxadrista Taís,
Não há dúvida de que Fisher foi um dos maiores jogadores de xadrez de todos os tempos! Mas também não há dúvida que paradoxalmente foi o mais solitário e infeliz homem da história do xadrez! Admiro Bobby Fisher por sua arte superior, mas admiro mais ainda Mikhail Tal por ser tão genial quanto Fisher no xadrez, porém conseguiu ser o mais feliz dos homens por causa do xadrez, e sua generosidade e amor foi incomparável por dar tudo de si pelo xadrez sem medir sacrifícios! Mikhail Tal foi o maior Cavaleiro de Caíssa.
Um abraço.
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