"Assim como o amor e a música, o xadrez tem o poder de tornar os homens felizes." (Tarrash)

sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Peça ou pedra: o que isso interessa?


Não segurei a ansiedade. Apesar de enxadrista, minha paciência não é das melhores, e como o ano está acabando, o pavio também está no fim. A questão que quero discutir hoje é simples e cotidiana. Pelo menos uma vez por semana escuto as palavras que me fazem refletir agora sobre a questão. Afinal de contas, é peça ou pedra?
Alguns dizem que o correto, segundo as leis da FIDE, é peça. Minha hipótese é que tem a ver com a singularidade do objeto que utilizamos para jogar, dotado de características muito particulares e construídas historicamente. O relevante, nesse caso, é falar da imagem, não da essência. O cavalo, obviamente, não é um cavalo. É quase metafísico, é figuração pura. Assim, justifica-se a preferência pela denominação peça, que me parece mais objetiva e consegue determinar a condição primeira dos objetos culturais que usamos para jogar xadrez, as peças.
Mas... se eu estiver me referirindo ao material da peça? Ou vocês acham que as peças do jogo de xadrez sempre foram de plástico, sendo alguns, por sinal, muito vagabundos? O rigor existente, então, em adotar a denominação peça toma formas distintas, ligadas a uma opção racionalista de pensar e, mais que isso, falar sobre o jogo! Não interessa mais se é madeira, se é pedra sabão (notem a palavra pedra!), de gesso, de tampinha de refrigerante, tanto faz! É tudo peça! Agora o que não dá para negar é que essa escolha pela peça mostra-se muito rigorosa e fundada num princípio, ou melhor, em uma vontade de tornar o jogo de xadrez próximo do exato. Já os materialistas, ou mais que isso, para aqueles que olham um jogo de xadrez montado (tabuleiro + Rei, Bispo, Dama ... ai, ai, ai, mais uma questão inexplicável! Rainha ou Dama?!), o que eles vêem são pedras sim, a materialidade da coisa, do que é feito, ou do que deveria ser, ou do que se conhece sobre como ele deveria ser construído... O primeiro jogo de xadrez que tive acesso era tão diferente do que uso hoje para jogar! Como posso negar que aquilo que coloco no tabuleiro são pedras, e não peças?!
Então resolvi a questão de duas formas: uma, é a linguagem. Ela muda a forma como pensamos a coisa, e não a coisa. Se não conhecemos algo, ele deixa de existir da forma como é? Se não sei resolver um problema de Matemática por não dominar a linguagem, o problema não sou eu e sim ela?
Segundo: é questão de observação. Tem gente que olha aquilo tudo que alguns chamam de exército (mais uma questão?!) e acham que são pedras, oras essa! Tem a ver com a linguagem também, do processo que envolve ela. E veja que estou me referindo somente a língua portuguesa!
Depois de me livrar desse demônimo todo, dessa reflexão profunda (?!) , ficou só uma coisinha para solucionar, ou melhor, para me pentelhar: peça ou pedra, o que isso interessa?!

quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

O ponto de vista

Nem todas as pessoas, quando decidem agir de alguma forma, pensam previamente todos os detalhes de sua ação. Muitas coisas vão tomando forma e sendo esclarecidas no decorrer dela. Não sei ao certo o porquê disso, mas observando pude perceber essa caracteríticas das pessoas. A consciência existe, isso é fato, mas ela não está presente o tempo todo.
E por falar em tempo, ele é fundamental para que a observação torne-se clara. Porém, não falo de um tempo quantitativo, mas sim qualitativo, com propriedades muito especiais. É o tempo vivido, que alguns chamam de experiência. Por exemplo, no jogo de xadrez são as partidas, e não necessariamente o tempo (horas, minutos e segundos) que levamos para jogá-la. A expriência - o tempo - nasce de uma relação diferenciada que estabelecemos com aquele momento enquanto agimos, no caso, enquanto jogamos.
Já ouvi muitos dizerem, principalmente as crianças, que são muito sensatas, que quando fazemos o que gostamos o tempo passa rápido e que, ao contrário, demora um tantão quando estamos envolvidos em algo chato. Tenho que concordar. Mas... e no xadrez? Será que essa referência "bom-ruim" tão acertadamente percebida pelas crianças diz alguma coisa sobre a experiência e a velocidade do tempo?
Não sei quantas partidas já joguei desde que aprendi as regras, há onze anos atrás. Onze anos é uma referência temporal, mas se é para medir em termos de "bom-ruim", minhas experiências são então péssimas, pois tenho certeza que perdi mais do que ganhei e, engraçado, mesmo assim consegui boas colocações em campeonatos. E mais, não parei de jogar. Dá para explicar?
Eu acho que sim. Minha explicação se fundamenta no meu ponto de vista, o tabuleiro. Não penso mais em termos de partidas ganhadas ou perdidas, nem de tempo, para entender minha experiência no jogo, e sim penso no espaço - o tabuleiro - que faz com que o tempo se transforme e tenha outros significados.
Enquanto jogamos xadrez, mergulhamos em outra realidade, uma imaginada que por mais que encontremos paralelos com o nosso cotidiano pra lá de real, elas de fato vêm de nossa capacidade de imaginação. Assim como as regras, que ganham status de verdade no jogo. Assim, o tempo do jogo não é o mesmo das horas.
Assim, o espaço acaba dando sentido ao tempo, que no caso do xadrez não possibilita medições numéricas. Explico: se fosse para quantificar, teríamos que qualificar, e seria algo mais próximo das estações do ano do que dos 60 segundos de um minuto. As estações seriam abertura, meio jogo e final. E assim se repetem, como primavera, verão, outono, inverno, primavera, verão, outono, inverno... Afinal, alguém conhece quem jogou a última partida? Enquanto alguém jogar, ou seja, enquanto existir o jogo, essas estações se repetirão. No caso do jogo de xadrez, já fazem alguns bons milênios.
Meu ponto de partida é o tabuleiro. Meu tempo e minha experiência vêm dele. Por isso me considero jogadora e não jornalista como sugerem alguns. Me interessa mais o que vejo no meu tabuleiro e, mais que isso, quando levanto a cabeça e olho em minha volta. Esse é meu ponto de vista.