"Assim como o amor e a música, o xadrez tem o poder de tornar os homens felizes." (Tarrash)

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Nos bastidores da mente.

Notas introdutórias:
1- este texto baseia-se em dados empíricos (acredite se quiser);
2- qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência;
3- é o que eu sempre digo: xadrez é bom, mas é muito difícil (sabedoria matonense).


O que não se vê nas partidas, mas que não deixa de existir: o lado bizarro e divertido das análises que motivam as jogadas, sem cortes e sem censura! Especialmente para o Xadrez de Quinta!

Brancas: Capivara X
Negras: Capivara Y
(que originalidade nas incógnitas, hein?)

1. e4 .... (Vixe, mas ele não joga sempre d4?! Que palhaçada é essa? Lá vem preparação... Ai, estou ferrado!)

1. .... e5 (Jogar tranqüilo, vai. Se me ganhar, vai ser jogando xadrez! Sem decoreba, xadrez clássico!).

2. Cf3 (em menos de 5 segundos, só o tempo de anotar o lance adversário...)

2. .... (Eita! Ele também contava com isso? Nossa, e agora? Já gastei 5 minutos nesse blá blá blá... Ele já percebeu que estou medo, tenho certeza! Já sei: vou jogar rápido também, quero só ver!)

2. ... Cf6 (seja o que Deus quiser!)

3. Cxe4 (3 segundos) d6 (2 segundos! Há-há, ganhei!)

4. Cf3 (2 segundos) Cxe4 (Idem. Tudo tem limite, né?)

5. d4 ... (Peraí: ele pode estar jogando rápido só porque essa é uma abertura decorada, vai ver ele nem entende o que está fazendo... Se eu surpreendesse ele com um lance diferente? Será que teria efeito? Acho que não. Afinal, ele está de brancas, vai querer ganhar, e eu que estou de negras devo primeiro igualar a posição, depois ousar. Olha lá eu de novo querendo colocar as carroças na frente dos bois... Xadrez é jogo de paciência, não se esqueça disso! Não foi por isso que você começou? Então... A mamãe só deixava porque eu dizia que ia me ajudar na escola... Calma, respira... Isso, agora relaxa, é só o quinto lance... isso vai demorar... Que droga!)

5. ... d5

6. ... (Finalmente ele está pensando! Bem feito, agora deve ter esquecido de tudo! Vou até tomar um café...)

6. Bd3 (cinco minutos depois...) Cc6 (Sem pensar. Agora eu é que estou no comando! Vamos ver quem é mais rápido... Mas... e depois de c4, o que joga??? Vixe... Nossa, deveria ter almoçado... Que fome!)

7. O-O (5 segundos) ... (Mas de novo??? Esse cara está de brincadeira... Pára de falar e pensa, vai! O que eu jogo?)

7 . .... .... (Jogar o mais simples ou complicar? Bom, vamos pensar: Bd6 é interessante, mais ativo... Mas Be7 vai mostrar que eu respeito ele, o que é verdade. Para que complicar tanto? O empate está ótimo para mim... Mas claro, ele vai ter que pedir, eu jamais faria isso! Jamais! Be7 ou Bd6? Ai... que dúvida! )

7. ... Be7 (Seja o que Deus quiser! – 5 minutos depois...)

8. c4 ... (Eu sabia! Sabia que ia jogar c4? E agora, o que eu faço? Ai meu Deus... Calma... Vamos pensar de novo: por que ele jogou c4? Hummm... Bom, preciso de um plano, e rápido. Já sei! Cb4 e daí quero ver para onde ele vai com esse bispo... Ganhei um tempo! Ou não?!)

8. ... Cb4

9. ... (dez minutos! O que será que ele pensa tanto, meu Deus? Só tem três possibilidades, oras! Be2, Bc2 e deixar o bispo ali... Tomara que ele deixe, eu tomo na hora! Sem pensar!)

9. Be2 ... (Vixe... o mais tranqüilo. To vendo eu aqui até as oito da noite... Aquelas posições paradas, mortas... Haja paciência! Vamos agilizar então...)

9 . ... O-O

10. Cc3 ... (Olha só! Esse lance é bom, hein? Ele ta ficando com um centro ativo... Impressionante. Acho que vou começar a jogar isso de brancas!)

10. ... Bf5 (Deve ser isso mesmo. O que jogar? Esse parece óbvio... Mas... peraí... Se a3 agora??? Ai, ele já tem apoio para b4, vai vir com tudo... Isso, bem feito, quem mandou jogar sem analisar? Agora vai se virar para recuperar a iniciativa, se é que tive um dia... Mas peraí... Não pode b4 imediatamente! Olha o cavalo caindo em c3! Há-há! Como sou capivara mesmo... É, mas ele pode preparar né... Com Bd2... Ou seja, ele tem uma seqüência de lances bons, ou pelo menos idéias de lances, e eu não, nenhuma idéia de como seguir essa variante... Excelente! Agora que eu não empato mes... ) Anh???

11.
- Eu disse que proponho empate.
- Não pode ser!
- Quer dizer que você não aceita?
- Não, não é isso... Nossa, achei que estava pensando, mas acabei falando... É claro que aceito! (Ele deve estar com medo... Medroso!)

terça-feira, 3 de julho de 2007

Alegria! Alegria!

Para Wanderley Cason Melo, o Canarinho. Seu vôo não foi em vão, meu caro.

E não é que depois do café ele aparece, semblante tranqüilo, sorriso amarelado, o cigarro sempre na boca. “Como você suporta fumar isso?” – era a pergunta recorrente. “Você não viu nada, tem coisas muito piores.” – resposta recorrente. Passava a mão no rosto, como um tique nervoso. E sorria. O diálogo era sempre leve e cheio de tiradas bem pensadas porque espontâneas, passadas somente no filtro mais generoso, que é o coração. E era cada diálogo...

O curioso era que tudo surgia na análise das partidas. A rotina era a mesma: uma mesa, muitas cadeiras, muitas pessoas, um tabuleiro, peças, eventualmente um relógio perdido, muitas mãos. Todas elas opinando. Mãos de todas as idades. Não basta pensar o lance; tem que participar. E sempre era assim, desde o começo.

E não falo do meu começo, falo do começo dos tempos. Daquele começo que começava sempre com um chamado: “E então, vamos ver o que aconteceu?”. As discussões eram acaloradas, pois todos buscavam a verdade. Raramente havia concordância, e isso tornava aquele momento mágico. Mágico porque todos discordavam profundamente, e então se aprendia algo. Todos aprendiam. A discórdia sábia dos que se abrem a novas opiniões, a novos olhares sobre a mesma coisa: o tabuleiro e as peças.

Não se falava só sobre xadrez. E mesmo quando o foco era ele, não era nada convencional: trilha sonora, expressões inventadas, análises bizarras... Ensinamentos poéticos: “O importante é jogar o mais simples. Essas complicações aí... Isso é bobagem. Joga Be2, tranquilinho... E vai dar tudo certo. Deixa o bispo ali, pra que levar ele para longe?”. Sim, as peças ganhavam vida, tinham personalidade e saber ouvi-las naquele momento era o mais importante: “A torre está tão bem aí em e1... Pra que tirar ela daí? Qual a idéia? Deixa... Em e1 ela tá bem mais feliz.”. “Vixe, aqui tá perdidinho...”. Era isso. Ou quase isso. Ou tudo isso.

Nas viagens, o banco da frente era lugar cativo. “Também, com esse tamanho de perna...”. Ninguém se importava. O co-piloto mais bem-humorado: “Você sabe onde está indo? Tá virando pra lá, pra cá, com uma confiança...”. Risadas, muitas risadas. Lágrimas de riso.

Depois da análise, vinha a boemia. Uma cervejinha para descontrair, caipirinha sem açúcar... “Isso é pinga com limão!” – “Nada, é que açúcar faz mal.” Uma lucidez repentina sobre a posição. “O que tá acontecendo? Você tá meio nervosa, fazendo uns lances esquisitos... O que você anda estudando? Essas sicilianas malucas não é para você não... E essa fixação por rocar grande, hein?”. Descobertas sobre a vida além-xadrez. Notícias sobre família, filhos, netos. O enxadrista no dia-a-dia. Paixão pelo Cinema. Sabedoria sobre a Literatura. Experiência de uma vida dedicada ao xadrez.

“Sabe por que esse jogo é bonito? A gente joga, joga, estuda, estuda... E nunca sabe como ganhar desse danado! O xadrez sempre te vence.”
esta vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem
-Paulo Leminski-