"Assim como o amor e a música, o xadrez tem o poder de tornar os homens felizes." (Tarrash)

terça-feira, 19 de junho de 2007

Sobre a máxima “Jogar xadrez melhora sua capacidade para jogar xadrez.”

Esse texto poderia ter como título “Tive uma idéia!”, assim mesmo, com exclamação, já que minha última passagem por aqui foi um tanto quanto sem graça, melancólica e nada original. Mas a causa de tantos adjetivos negativos era essa mesmo, a falta de assunto. Uma maré de falta de criatividade. Um pouco de tristeza diante de certos momentos da vida... Mas o bom de tudo é que isso passa, e passa mesmo! A idéia de hoje pode até não ser das melhores- pensando que um dia já existiram boas idéias, enfim... -, mas é uma idéia de alguém entusiasmado, cheio de vigor para dizer algumas coisas simples, fáceis de perceber desde que se tenha ouvidos e alma abertas. Vamos ao texto, então? (Deveria estar tudo entre parênteses ou somente essa frase?).

Puxando aqui na memória – que os enxadristas têm desenvolvida em alto grau, não é o que dizem? -, meu ensaio de palavras acontece desde os 17 anos. Claro que estou aguardando o dia da estréia, mas enquanto isso não ocorre, continuo aqui buscando sentido não só nessa iniciativa – buscar relações entre o xadrez e a vida, ou seja, o para que-, mas também mergulhando na própria ação, o porquê. Não vou responde-las agora, até porque não sei, mas essa máxima aí em cima, que titula essas palavras, inclusive, tem me intrigado bastante, justamente porque vejo nela um potencial explicativo para todas essas inquietações. Sim, irei explicar.


Jogar xadrez é completamente diferente de escrever sobre xadrez. (Certas obviedades precisam ser ditas, às vezes, escritas, gritadas, pichadas nos muros). Mas como faço as duas coisas, preciso então estabelecer uma diferença, por mínima que seja, já que a diferenciação costuma ser um método eficiente nos processos explicativos. Pois bem, tenho mais um achismo para acrescentar na comunidade enxadrística: jogar xadrez melhora nossa capacidade para jogar xadrez, simplesmente isso. Não há uma proporcionalidade, muito menos reciprocidade entre força enxadrística e escrever sobre xadrez, por exemplo. (Não vou dizer que, no fundo no fundo, acho que não existe relação nenhuma entre força no xadrez e força ou qualidade em qualquer outra coisa, mas como isso traria polêmicas demasiadas, deixei para lá. Aconselho vocês a fazerem o mesmo, pelo menos por enquanto.).


Claro que uma decepção repentina nos bate a porta quando percebemos que anos e anos de aprofundamento no jogo de xadrez, buscando suas verdades, não explicam a vida nem muito menos ajudam em qualquer outra tarefa. Tudo bem, sei o que vão alegar: jogar xadrez melhora concentração, memória, capacidade crítica, racionalidade, método, criatividade, e tantas outras coisas que poderiam – e acredito piamente que um dia irão- estar todas dentro de uma mesma cápsula, que tomada duas vezes ao dia, torna todos igualmente inteligentes. O que acontece é que o potencial e a positividade de jogar xadrez não estão no próprio Xadrez – em letras maiúsculas, como uma entidade mítica ou um conceito metafísico-, mas sim na atividade que nos proporciona a capacidade de estar constantemente treinando o pensamento a pensar. Corrigiria a frase de Goethe assim: “Xadrez é uma das ginásticas da inteligência.”. Chega dessa platonismo barato com o xadrez, minha gente!


Xadrez é lindo, extremamente prazeroso, desafiador, intrigante, interessante, histórico, estético, concordo com tudo isso. Mas ele tem seus limites. O limite é o próprio jogo, e o que ele pode oferecer. O xadrez não explica a vida, isso é uma bobagem. O que explica a vida somos nós, as pessoas. Em outras palavras: jogar xadrez não é tudo, e se escrevo sobre ele aqui é porque não jogo só xadrez, mas também penso nele de forma criativa, como um mote, um tema, um estilo de linguagem. No meu caso há uma coincidência entre o treino que tive e ainda tenho todos esses anos de como usar meu pensamento, e o resultado desse exercício, ou seja, escrever sobre a mesma coisa que me movimentou e movimenta a mente. E é só isso mesmo. Não são essas linhas que me tornará uma Grande Mestre, tenham certeza.


Agora vem o momento libertador: não sofra como eu sofri por ouvir durante toda minha infância que “quem joga xadrez é ótimo em Matemática!”, sendo que durante muitos anos sofri nas recuperações do colégio, me matando de estudar porque não conseguia a tal facilidade para Matemática que tanto me falavam, embora já estivesse a todo vapor nos estudos do xadrez. Estão se sentindo mais leves, não é mesmo? Então encerrarei brevemente.


Não estou desqualificando o jogo de xadrez. Eu realmente gostaria que todas as crianças jogassem xadrez, mas não porque é uma matéria na escola ou porque faz bem para a memória, mas acreditando na sabedoria de uma escolha entre tantas possibilidades de exercício da mente, na qual o xadrez torna-se mais charmoso e sedutor. Intenção: é isso que diferencia jogar xadrez de escrever xadrez. Não jogarei melhor porque escrevo, nem escreverei melhor porque jogo. E não há problemas nisso. Quando jogo, o exercício busca a vitória, a superação. Quando escrevo... Bem, no meu caso quero somente ser ouvida (facetas do egocentrismo, vocês entendem....).