"Assim como o amor e a música, o xadrez tem o poder de tornar os homens felizes." (Tarrash)

domingo, 2 de março de 2008

Da janela.


A rua que ele morava era pequena. Assim, olhando da janela, ele conseguia ver seu começo e seu fim, tudo em uma virada de cabeça, em uma passada de olho. O nome da rua tinha nome de presidente, Floriano Peixoto. Isso ele tinha aprendido na escola. Mas as vezes se questionava porque uma rua tão pequena tinha nome de um presidente. Presidente não é tipo de gente importante?

E era dali mesmo daquela janela, a que era do seu quarto - mas que já tinha sido do seus tios, quando meninos e quando a casa era da avó e não sua -, que ele via o tabuleiro. Ele sabia o nome dele e dela, mas isso não importava, sabe? Quando o nome não muda muita coisa, quando o nome é só o nome mesmo... Era assim, ele e ela, todo dia, jogando xadrez na sala.

Ele imaginava que aquela deveria ser a sala, já que ela ficava sentada confortavelmente no sofá, enquanto ele na cadeira de madeira. Devia ser dura aquela cadeira, pensava o menino. E eles eram velhinhos. Deviam estar casados há uns vinte e tantos anos... Ou mais! E era todo dia mesmo: lá pelo finzinho da tarde eles estavam ali, religiosamente, jogando xadrez. E o menino via isso da janela. Via da sua janela aquela janela.

-Parece até televisão!, foi o que ele pensou um dia. E era bonito assim, a rua parecer a sua sala: a rua inteira cabia dentro da janela, e a TV eram aqueles velhinhos ali, todo dia, feito novela, jogando xadrez. As vezes eles conversavam, as vezes não. Dava para perceber porque a rua era pequena, e daí dava para ver de pertinho eles mexendo a boca. Mas as vezes ficavam tão quietos que o menino não entendia o porquê daquele silêncio sinistro. Eles devem ter brigado!, é o que ele pensou nesse outro dia.

E a curiosidade pelo xadrez veio daí. De ver, todo dia, toda tarde, aqueles dois velhinhos casados por mais tempo que sua vida inteira, jogando xadrez. As vezes falando, as vezes calados. Mas ali, sempre. E ele acompanhando tudo, da janela.


O olho da gente é uma janela.