"Assim como o amor e a música, o xadrez tem o poder de tornar os homens felizes." (Tarrash)

domingo, 4 de fevereiro de 2007

À la brasileira!

Assim que aprendemos a jogar xadrez, digo, a movimentar as peças, nossa primeira grande motivação é movimentar a Dama e a Torre. Minha hipótese sobre esse fato – porque isso é um fato, quero ver alguém dizer o contrário! Lembrem-se de sua infância no xadrez... -, é de que, no caso da Torre, ela é a peça mais desprivilegiada e, porque não, injustiçada na configuração inicial de uma partida de xadrez. Nos cantos ela não faz absolutamente nada, a não ser com a brilhante seqüência a4, Ta3!!! Como os dois primeiros lances de uma partida, que todo mundo já jogou algum dia... Já com a Dama a lógica é outra. Ela é a peça mais poderosa, é assim que aprendemos e ensinamos, e portanto a ansiedade de explorar seu potencial faz coçar as mãos! Aí vem aqueles lances... A Dama saindo loucamente sem destino, rumo ao nada.

Porém, não podemos ser tão cruéis assim com a teoria enxadrística. Nos recusamos a aceitar determinados lances por puro preconceito e porque não, um tanto de senso comum. Nossas jogadas acabam sendo pensadas pelas cabeças dos outros, não havendo um componente criativo real, somente uma reprodução de lances que aliviam nossa consciência porque se enquadram dentro de um sistema reconhecido... O problema não se encontra nas aberturas, mas no modo como pensamos para adotar tal ou qual variante. A idéia da abertura é continuar o jogo, meus caros! Ou seja, deve haver um objetivo, uma lógica para que o bonde siga andando...

E é por isso que hoje apresento a vocês a Defesa Brasileira. Sim camaradas, no melhor estilo Policarpo Quaresma de Lima Barreto, que foi chamado de louco por propor a língua tupi como idioma em nosso país, um brazuca abalou as estruturas propondo o audacioso 2. ... De7! Vejam o diagrama:

Posição após 1.e4 e5, 2. Cf3 De7!

Esse sistema foi introduzido na comunidade enxadrística pelo MI Hélder Câmara, renomado cronista sobre nossa modalidade, em 1954. A proposta é simples: sabem a tradicional Índia do Rei? Bem, a idéia é jogar Índia do Rei contra e4! Mais brilhante impossível!
Uma abertura clássica e vencedora como a Índia do Rei em versão brasileira! E pós- moderna, já que dá as costas para uma lição do célebre Xadrez Básico que ensina para onde a Dama não deve ir nos primeiros lances... Inspiração pura.
Segundo o site do próprio criador (http://www.hcamara.com.br/teoria.htm), que denomina a variante de Defesa Câmara (nada mais justo), há um interessante relato de seu surgimento, sua idéia estratégica, toda a contextualização da criação.

Como não entendo muito de xadrez - apenas especulo-, quero valorizar aqui o momento criativo. Notem o detalhe: toda pessoa em seus primeiros passos no xadrez, especialmente se criança, tenta por intuição essa idéia de De7! (Insistirei em exclamar até o fim do texto!). E por que a idéia não vingava? Porque é preciso ter muita coragem para contrariar a tábua dos 10 mandamentos do xadrez – primeiro mandamento, não moverás a Dama nos lances inicias... Só mesmo um brasileiríssimo para estufar o peito e proclamar na careta e pacata sociedade enxadrística a Defesa Brasileira! Uma releitura da Índia do Rei, modernismo artístico em plano território tupiniquim!

Para quem se interessar, sugiro o site do autor Hélder Câmara, e o interessante “Home Page da Defesa Brasileira” (bilíngüe): http://www.geocities.com/Colosseum/Bench/4044/ , incluindo uma base de partidas.