"Assim como o amor e a música, o xadrez tem o poder de tornar os homens felizes." (Tarrash)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Pressa, perfeição e outras coisas mais...


"A pressa é inimiga da perfeição."
(sabedoria popular, autoria sem autor)


Para falar de pressa é preciso falar de tempo. Não do tempo, no sentido determinado, daquele tempo que não volta mais, o tempo do cobra. Não. É de tempo. Hoje e atualmente o tempo está acelerado. Você acorda e, quando se dá conta, está indo dormir. Ontem era Natal e agora já é Dia dos Namorados. Dia do Enxadrista também. A sensação é que o tempo está com pressa.

A percepção que temos dessa correria não é individual: todos reclamam, todos reparam, todos se desesperam. E o tempo, essa verdade universal, não se incomoda. Ele continua, sempre; ele é só movimento.

E por falar em tempo, o xadrez - que como tudo e todos é também dependente do tempo -, tem buscado sobreviver em meio a esse trânsito. As partidas de 1 minuto na internet, ao xadrez-súbito. Não é necessário refletir, e sim reagir. Reaja. Não interessa. Sacrifique. Enrole. Esperneie. E ganhe no tempo, sem nenhum pudor.

O problema é que as pessoas estão com muita pressa para perceberem as coisas.

Há algum tempo atrás - e nem é tanto tempo assim, se pararmos para pensar -, as pessoas se interessavam em jogar xadrez sem tempo. Imagine... O tempo, que é sempre presente mesmo quando passado e futuro, assim, jogado de lado. Simplesmente indiferente ao tempo. Um lance demorava... Demorava umas 20 horas. Talvez mais, não se sabe. Tanto faz. A questão é que demorava, e isso era valorizado de um modo diferente. Não se gastava 2 segundos para determinar que a análise indica a vantagem de +1.87 das Negras.

Outros tempos... Tempo de correio e de carta. E do tempo que se gastava escrevendo. O gesto: o andar até a gaveta, a escolha da caneta - é preciso checar se ela está funcionando! -, o papel na gaveta de baixo... Um copo d´água antes de, enfim, caminhar até a cadeira e a mesa que então receberão solenemente o papel e a caneta, e a escrita. A cola, o selo, o dia de ir ao centro da cidade finalizar a empreitada... Xiii, levava uns 3 ou 4 dias, até mais! E, dentro do envelope, um lance. Um O-O.

Nesse tempo acreditava-se que a pressa era inimiga da perfeição. Perfeição não queria dizer tudo certo, resolvido, ponto final. Não. É a idéia do tempo de acabamento. O tempo que toda coisa leva para não só ser feita, mas compreendida, digerida. Independente do que você come, seu corpo leva 2 horas para entender o que você fez e absorver essa informação.

E ainda há torneios que corajosamente atraem adeptos com o ritmo de 2 horas nocaute.

Pare e pense: quanto tempo leva uma partida de xadrez?
Quanto tempo é preciso para entender o que é xadrez?
Quando foi sua última partida? Quando será sua última partida?

(Esse texto talvez seja um modo de pedir a tempo a desaceleração.)




quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O sentido da repetição

O tema me parece muito oportuno para a data de publicação: hoje, dia 31 de dezembro de 2008, estamos no início do fim, e muito em breve no início do começo. Essa sucessão de começos e términos sugere um ciclo, algo que se movimenta em torno de um sentido em grande medida construído a partir da repetição.

Todos os anos se repetem, isso é fato. Há um texto muito divulgado de Carlos Drummons de Andrade que aborda a questão do calendário, muito em voga nesses tempos de certa nostalgia misturada com comilança. Diz o seguinte:


“Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra
vez com outro número e outra vontade de acreditar
que daqui para adiante vai ser diferente...”


Mas vejam, há um detalhe importante. Apesar da repetição, uma das idéias presentes neste texto de Drummond é a possibilidade da diferenciação, o que aparentemente – percebam, somente nas aparências -, parece contradizer a idéia do repetir. E é nisto, justamente neste pequeno grande detalhe que eu vejo a exploração – a extrapolação, se assim preferir-, de uma característica do jogo de xadrez.

Ao pensarmos em uma partida de xadrez, estaria descrevendo o óbvio ululante se falasse das regras que compõem o jogo. Este é o elemento que, sem dúvidas, mais se repete. Não direi que se repete sempre porque existem os erros, em que a regra pode ser desafiada ou pela ignorância ou pela desatenção – ambas características humanas, demasiada humanas. O fato é que a regra exige, por definição, a repetição para fazer sentido; e o xadrez precisa das regras – também por definição -para que se torne um jogo. Logo...

Jogar uma partida de xadrez é repetir, repetir, repetir tantas vezes for necessário uma tábula de leis. E não só isso. O próprio aprimoramento no jogo relaciona-se com a compreensão mais apurada do sentido da regra, em outras palavras, em como repetir cada vez melhor, cada vez mais preciso. Repetir é preciso.

Além disso, a repetição é uma das muitas ferramentas que dispomos para estudos enxadrísticos. Ao montarmos uma, duas, dez vezes um determinado diagrama ou reproduzirmos uma sequência de uma variante, lá está ela, a repetição, nos auxiliando no processo de memorização e, por consequência, de aprendizado.

Mas repito: a repetição não negligencia a diferenciação, a possibilidade do diferente acontecer. Meu argumento tornar-se-á plausível com a ajuda de você, leitor. Por favor, pense em suas dez últimas partidas com uma determinada cor, de brancas por exemplo. Certo. Agora analise quais foram as aberturas jogadas. Considerando que, ao menos, metade delas seguiram a mesma variante – sim, você não deve ser tão ousado ao ponto de não repetir, pelo menos três vezes, aquela danada de abertura que você viu o GM X jogando na Olimpíada, obtendo um ataque fulminante ao rei, na esperança de que o resultado seria tão eficiente quanto... Responda: a mesma abertura levou a partidas iguais?

A repetição no xadrez se assemelha mais com a função desta na arte. Li em uma dessas revistas de arquitetura que, ao decoramos um lugar simples e com poucos recursos, a repetição de objetos aparentemente sem grandes impactos em termos de ambientação tem efeito impressionante. Os exemplos chegavam a ser engraçados: uma mesa foi colocada no canto de uma sala, com um vaso de flores vermelhas miudinhas. Na outra foto, a mesma cena, só que na mesa estavam agora três vasos de flores vermelhas miudinhas. O mesmo tipo de comparação foi feito com outros objetos, e sempre o mesmo impacto visual de valorização, incrivelmente criativo.



Um exemplo de como a repetição pode ser criativa e diferente.

Eis meu ato final: a repetição representa, antes de tudo, um componente de criação. O resultado é mais eficiente que o caminho percorrido, porque de fato a repetição diz respeito a movimento, e não a imobilidade. Oras, é no movimento que a criação floresce, a criatividade se esbalda e a mente ferve.
***
Repetir o erro ensina mais do que repetir o acerto. Porque nos damos ao trabalho de explicar os erros; já nas vitórias estamos muito ocupados em contemplar nosso ego. Vale no xadrez, vale na vida. E, quem sabe, vale como reflexão para 2009.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

A tal hegemonia russa... (Ou uma interpretação sobre um universo particular)


Esse título parece até humorístico. Mas não é, eu garanto. É a mais pura verdade: os russos dominam o xadrez de tal modo que podemos dizer sim, com ou sem reticências, que eles são a hegemonia no xadrez. As reticências entram, então, para deixar no ar a dúvida, o mistério e a curiosidade não invasiva de entender porque, ou melhor, os porquês, no plural e com acento. Porque os motivos são substantivos, e eu tenho uma idéia sobre um deles.

Vejam a literatura russa. Eu tive contato com ela recentemente por duas linguagens: o teatro e o livro. Textos que tomam vida de forma diferente. Em ambas tive a oportunidade de perceber uma característica que me saltou aos olhos. Como toda arte que se preze, e que se sustenta no tempo, ela diz algo sobre o universo em que é criada, imaginada, diz sobre as pessoas que estão ali, mesmo que isso não seja verdade. A arte tem algo a dizer, e isso é inquestionável. O que ela diz é interpretação, e talvez a percepção coletiva de determinados aspectos crie o consenso, e a estética num segundo momento. Mas vejam: os russos, o povo russo, e a pessoa russa sofrem de uma frieza impressionante. Explico-me.
Eles são de natureza introspectiva, falam pouco e quando dizem, dizem muito. São breves e objetivos, diretos, e talvez por isso às vezes alcancem a crueldade quase sem querer. Notem que eu disse quase. Quase porque são irônicos, e orgulhosos disso. Sustentam uma imagem egoísta e independente, apesar do sofrimento e da dor. Apesar do comunismo e uma projeção forjada do que seja, então, esse tal "coletivo", esse eu que somos nós e que diz nada sobre ninguém.

[Cito uma passagem da peça "Não Sobre o Amor" - título sugestivo para uma obra russa, não? - que diz: "Porque quando você me diz o quanto, o quanto, o quanto, o quanto você me ama, no terceiro quanto eu já estou pensando em outra coisa..."]

E por tudo isso chegam a uma profundidade admirável, compreendem a fundo e, portanto, parafraseando Pessoa, vêem muito e entendem muito o que tem visto. Observadores atentos, detalhistas do cotidiano, sugando a grandeza do pequeno e, diante do grande que são, tudo fica enorme. A dor, principalmente. E repito: sofrem. Desesperadamente. De terno e gravata. E um livro de xadrez na mão.

O xadrez entra nesse universo como ponte entre toda a profundidade e a compreensão do ser, e a projeção egoística desse conteúdo em um plano, o tabuleiro. Ali pode, e segundo os russos, deve-se ser cruel. Mas com estilo e elegância, sempre. Ali a precisão é louvada, e os detalhes somados ao entendimento da complexidade tornam-se belos, extremamente belos e univocadamente os melhores até hoje visto.

Menciono dois artistas: Kasparov e Karpov. O primeiro com sua ousadia arrebatadora, criatividade invejável e precisão assustadora. O segundo, com posições elegantes e limpas, abarrotada de detalhes sórdidos e belíssimos, calculados sem alteração das expressões faciais e olhares breves direto ao olho do oponente. Eis duas belas representações do espírito artístico russo, aplicado a uma arte, o xadrez.

Seremos nós, brasileiros do samba de bamba, capazes desse ceticismo todo diante do jogo, ou seja, da vida? Fica a questão que não sei responder. Mas perguntas valem mais que respostas em determinados momentos, como estes:



ontem

hoje

sempre

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Xadrez e Poesia

LEIS DA GUERRA
-por paulo LEMINSK-
Nunca provoque.
Se sentir provocação, negocie.
Se for impossível negociar, ataque.
Mas ataque rápido, muito rápido,
com toda a força.
Não faça movimentos parciais
para obter resultados médios, assustar, intimidar.
Quando atacar, ataque para aniquilar
o mais rápido possível.
Sobretudo: não ameace, não anuncie em movimentos
ou palavras que você vai atacar.
- "Aquilo tudo era bobagem, pensou. em guerra, não há leis. Ou há?"
Alguma aplicação ao xadrez? Acredito que sim.

domingo, 2 de março de 2008

Da janela.


A rua que ele morava era pequena. Assim, olhando da janela, ele conseguia ver seu começo e seu fim, tudo em uma virada de cabeça, em uma passada de olho. O nome da rua tinha nome de presidente, Floriano Peixoto. Isso ele tinha aprendido na escola. Mas as vezes se questionava porque uma rua tão pequena tinha nome de um presidente. Presidente não é tipo de gente importante?

E era dali mesmo daquela janela, a que era do seu quarto - mas que já tinha sido do seus tios, quando meninos e quando a casa era da avó e não sua -, que ele via o tabuleiro. Ele sabia o nome dele e dela, mas isso não importava, sabe? Quando o nome não muda muita coisa, quando o nome é só o nome mesmo... Era assim, ele e ela, todo dia, jogando xadrez na sala.

Ele imaginava que aquela deveria ser a sala, já que ela ficava sentada confortavelmente no sofá, enquanto ele na cadeira de madeira. Devia ser dura aquela cadeira, pensava o menino. E eles eram velhinhos. Deviam estar casados há uns vinte e tantos anos... Ou mais! E era todo dia mesmo: lá pelo finzinho da tarde eles estavam ali, religiosamente, jogando xadrez. E o menino via isso da janela. Via da sua janela aquela janela.

-Parece até televisão!, foi o que ele pensou um dia. E era bonito assim, a rua parecer a sua sala: a rua inteira cabia dentro da janela, e a TV eram aqueles velhinhos ali, todo dia, feito novela, jogando xadrez. As vezes eles conversavam, as vezes não. Dava para perceber porque a rua era pequena, e daí dava para ver de pertinho eles mexendo a boca. Mas as vezes ficavam tão quietos que o menino não entendia o porquê daquele silêncio sinistro. Eles devem ter brigado!, é o que ele pensou nesse outro dia.

E a curiosidade pelo xadrez veio daí. De ver, todo dia, toda tarde, aqueles dois velhinhos casados por mais tempo que sua vida inteira, jogando xadrez. As vezes falando, as vezes calados. Mas ali, sempre. E ele acompanhando tudo, da janela.


O olho da gente é uma janela.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

L´image est tout.

Marcel Duchamp jogando xadrez...

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Era um menino.

Era um menino. Desses do tipo mais comum nos subúrbios dos Estados Unidos: sem muito dinheiro, sem muitos sonhos, sem muito o que fazer. Mas tinha uma mãe e uma irmã. Enquanto a mãe trabalhava, ele ficava em casa, com a irmã, de papo para o ar, pensando em como ocupar aquele tempo que parecia não passar nunca. E então vieram os jogos, passatempo milenar da humanidade. Veio o xadrez. E então a vida começou.

É por isso que Fischer, Bobby para nós, os íntimos, disse que O Xadrez é a Vida. Para ele, que tinha tudo para ser mais um entre tantos jovens americanos, cercado de oportunidades e possibilidades, mas ao mesmo tempo tão distante e incapaz para elas, a vida realmente começou com o jogo de xadrez. E vejam que foi a irmã que o ensinou (não contive o comentário feminista...).

E justamente aquele que era somente mais um veio a se tornar o único campeão mundial norte-americano, fazendo com que seu país – este mesmo ingrato que lhe negou perdão e abrigo -, configurasse mais uma vez no rol dos grandes feitos. Uma hegemonia precisa disso, de grandes feitos de seus cidadãos. Ainda que esta cidadania seja limitada pelos interesses mais sórdidos, como os de caráter político na Guerra Fria...

Fischer se tornou uma lenda viva-quase-morta, e durante seu desaparecimento a mente daqueles já acostumados ao exercício de pensar – os tais enxadristas – ferveu imaginando o que diabos haveria acontecido com aquele gênio, causando balbúrdia até para aqueles que nem sabiam o que era xadrez. E talvez essa tenha sido sua maior contribuição ao jogo: a polêmica gerou curiosidade, e assim muitos começaram a jogar xadrez influenciados pelos acontecimentos relacionados à Fischer.

Ele se foi. Já estava velho, provavelmente cansado e sem muitas expectativas em relação à própria vida. Foi genial e soube sê-lo. Aproveitou de sua posição e disse o que podia e não podia, foi ousado, excêntrico, bagunçou mentes, deixou políticos com cabelos brancos, intimidou os soviéticos, e simplesmente levou ao limite as potencialidades de um tabuleiro e algumas peças na forma de jogo de xadrez. Suas partidas são exemplos históricos de estética enxadrística. E é assim que lembraremos dele, do artista Fischer. Do menino Bobby. Do enxadrista-menino que sempre brincou com a irmã de jogar xadrez.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Crônica de fim de ano

Sertão - aquarela 0,40 X 0,55 - Mauro Adriole. 2003.


Não se espantem, afinal, todo escrevente que se preza acaba fazendo isso aqui, uma crônica de fim de ano. As motivações são muitas: lembranças, boas, ruins, e aquelas completamente deletáveis; encerramento, sim, como se um ciclo estivesse completo e um outro fosse, como num passe de mágica, ser iniciado com a simples substituição de um calendário por outro; desejos, aqueles que nos movem, que nos fazem planejar, projetar, pensar o infinito e o além disso. O fato é que, de certa forma, nos sentimos quase que obrigados a cumprir este papel, o escrevente da crônica de fim de ano.


Certa vez um rapaz, moço bonito que só vendo, ao ler meus textos me encaminhou um artigo que narrava sobre isto: a diferença entre escritor e escrevente. Apesar de ter mostrado apreço por minhas palavras, confessou uma desconfiança de propósitos e desafeto ao meu estilo. Segundo sua avaliação, eu dizia, dizia, e não dizia nada. Faltava forma e conteúdo. Faltava propriedade de escritor. Me sobrava a sina de escrevente.


Tentei explicar que não era de minha intenção fazer carreira literária, muito menos ousar dizer dizeres ousados, que meu trajeto mesmo era o xadrez. Xadrezista que sou, pensei numa estratégia para convencer o tal rapaz – muito bonito mesmo -, de que minhas palavras eram sem ambição e porque não egoístas. Pretendiam me satisfazer, depois o público. E a reza para que alguém entendesse, alguém gostasse, acompanhasse o aprendizado, quem sabe. Sabia das dificuldades. Não sabia a diferença entre ousadia e humildade.
Mas ele, o tal moço bonito que só, insistia. Forçava o argumento de que precisava ter sentido, chegar fundo no dizer, alcançar o indizível, produzir a imagem. Me afeiçoei ao tal moço, que vez por outra me convidava para uma partida, sem relógio nem nada, só pelo divertimento. Dizia ele que aprendia coisas, sabe-se lá de que tipo.
A relação perdurava e o pensamento persistia em entender os questionamentos daquele moço-poeta que, vez em quando, voltava ao assunto. Via que meus esclarecimentos não bastavam, então forcei a cuca para entender o porquê da persistência. Reli o escrito sobre escritor e escrevente. Li outras coisas também, de escritor mesmo. Aí sim, tudo começou a alumiar por aqui...

Não é forma, nem conteúdo. Xadrez, família, natureza... Tudo é vida. Mire veja: o importante é que dá para comentar tudo nesse mundo. Mesmo que besteira, tolice. É do ser humano. Não faz mal estar mal feito, mas não pode ser por ordem de outrem nem por hábito. Exige esforço sim. Mas tem que sair do coração e do passado. Passado que é aprendizado, que é semente da fruta do agora. O coração ajuda na energia que circula, que faz a vida viver, sabe?
Nesse encontro, então, não vou falar de xadrez como sempre. Vou escrever na tentativa. Inspiração pro futuro a partir do passado. A partir de leitura. De admiração. Arriscar. Rabiscar. Fim de ano é assim, última chance de errar ainda nesse calendário.
Quem não gostar, peço a gentileza de virar a folhinha e lembrar que tudo já passou, e que ano que vem tem mais. Como vai ser eu não sei, adivinhações não é de meu ramo. Não sei o como mas sei da matéria. Mais estórias, mais palavras. E o xadrez sempre de luneta.
Tudo de bom pra todo mundo.

domingo, 14 de outubro de 2007

Xadrez não é ciência.

O bom de escrever esse tipo de coisa que escrevo aqui – crônica? artigo? ensaio? diário? tanto faz. -, é que não preciso me apoiar em nada mais do que minhas opiniões, reflexões e argumentos para me fazer entender. Pelo menos é assim na maioria das vezes. As coisas que faço na minha vida – ler, por exemplo -, também influencia, é claro; mas essa é a parte menos importante, acreditem. Quem quiser acreditar que acredite. Quem quiser concordar, concorde. Discordar a mesma coisa. Mas o interessante mesmo é tornar pública as idéias, as impressões, as verdades e mentiras. Isso sim que vale a pena.

Já na ciência não. Se eu estivesse escrevendo ciência – produzindo ciência, como costumo dizer aos meus amigos -, a estória seria bem diferente. Para começar, seria história e não estória. O fato é que até mesmo para falar de ciência cientificamente isso aqui teria de se tornar algo definível e nada animador: objetivo. Sei que haverá multidões apontando que a ciência não é objetiva, que a própria escolha do objeto de pesquisa científica já é uma atitude subjetiva, já que é escolha... Tudo bem, eu concordo com tudo isso. A questão relevante aqui é que na ciência a objetividade é um fim, não o meio. É o que deveria ser, é o parâmetro, é o desejável. Esse é o aspecto da ciência que mais me chateia.

Mas tem um lado que me parece mais promissor e positivo da ciência. É justamente interpretá-la como uma forma de conhecimento, assim como a religião, o jogo, a filosofia, entre tantas outras formas de conhecer o mundo. É mais uma forma que encontramos para saciar nosso desejo incontrolável por saber. Saber tudo e mais um pouco.

Veja que no meio do parágrafo anterior está inserida a palavra “jogo”. E como vocês devem saber, o xadrez é um jogo. Nosso amor incondicional e vício acabam nos levando a pensar que o jogo de xadrez é o jogo, o mais representativo de todos, o mais importante. Eu concordo com isso também. Mas minha mãe, que adora jogar damas e torrinha diz totalmente o contrário. Porém, o importante de destacar aqui é o seguinte: quando as pessoas afirmam por aí que o xadrez é ciência – sendo estas pessoas em sua maioria enxadristas apaixonados pelo jogo -, elas o estão fazendo por um motivo bastante razoável e por vezes sutil de perceber, mas que não torna a afirmação necessariamente verdade.

Historicamente a ciência assumiu em nossa sociedade – isso mesmo, essa ocidental, impregnada de idéias desenvolvidas há mais ou menos dois séculos atrás com o movimento iluminista europeu -, um papel bastante relevante, de respeito e prestígio entre nós, chegando mesmo a ser concebida por alguns como a única maneira de descobrirmos a verdade. Balela. Repito: ciência é um tipo de linguagem que utilizamos para conhecer o mundo. O que é uma função bastante nobre, mas não a única, muito menos a verdadeira razão da humanidade.

Isso aplicado ao jogo de xadrez nos levou a crer que, elevando o xadrez a categoria de ciência, estaríamos enfim colocando nossa linda modalidade em um patamar que ela merece, ou seja, em um dos elementos mais valorizados da nossa sociedade. É possível fazer ciência usando o jogo de xadrez? Claro que sim. Mas isso não significa que o xadrez seja uma ciência. O xadrez, pensando nessa lógica de categorias ou elementos da sociedade, seria o que a maioria das pessoas sabem e por vezes menosprezam sem saber o significado: um jogo.

O jogo é um elemento presente na história das sociedades humanas há bastante tempo. E assim sendo, já foi e ainda é objeto de pesquisas científicas. O fato de algo poder ser estudado pelas vias da ciência não implica necessariamente que esse algo seja, em si mesmo, ciência. A ciência trabalha na busca de elementos presentes em nossa vida que possam ser estudados por uma perspectiva particular e que diferencia o olhar dado a determinados aspectos de nossa mesma vida. Agora vou usar como exemplo um recurso muito utilizado na produção científica, que é citar o estudo ou reflexão de alguma outra pessoa – chamado no linguajar científico de autor-, para embasar meus argumentos e mostrar que não estou sozinha na minha reflexão. O que pode ser um gesto muito nobre, mas também bastante perigoso nas mãos erradas. Que o diga as citações de cientistas utilizadas por Hitler na justificativa da superioridade de determinadas raças em detrimento de outras. Eis a citação:

“[o jogo é] uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana.” (HUIZINGA, 1980).

Isso é um exemplo de estudo do jogo como tema científico. Notem o rigor da tentativa de uma definição. Agora que ele está dizendo a verdade, isso é impossível afirmar. Até que alguém diga e redija algo melhor, que convença mais pessoas, ela continuará sendo a definição mais viável, mais consensual. Nestes termos, o xadrez como é um jogo estaria contido nessa definição aí em cima. Mas me digam: é isso mesmo? Ou melhor, é só isso mesmo?

Cadê as mãos geladas e o tremor antes das partidas? Resumidos na palavra “tensão”? E a lágrima sufocada de tanta satisfação de ter ganho uma partida completamente perdida? Na parte da “alegria”? Pode ser que sim. Mas isso não exclui todas as possibilidades de desenvolver esta idéia, nem de pensar e escrever de outra maneira sobre o jogo de xadrez. O que os informadores e News In Chess da vida fazem é uma tentativa de instrumentalizar métodos científicos no estudo de xadrez, o que é possível e tem se provado eficaz, mas definitivamente não é a única maneira de refletir sobre o jogo de xadrez. E mais: esses estudos pseudo-científicos (e não estou usando no sentido pejorativo, mas sim no sentido de quase-ciência) são para o jogo de xadrez competitivo, esportivo. O jogo de xadrez interpretado e estudado como arte trabalha muito mais com elementos um tanto estranhos a ciência, como a criatividade.

Então vejam, sem polêmicas: o xadrez NÃO É ciência. Ele pode ser, mas não é, no sentido literal da frase. Ele pode ser o que nós quisermos, tamanha a sua amplitude. Mas se fosse para afirmar uma generalização, um É padronizado, ele É UM JOGO. E isso é uma riqueza tamanha, é o que permite, por exemplo, que ele seja meu mote, meu tema de escrita e a forma que uso para refletir sobre a vida e os fatos e idéias que por ela passam. É o que possibilita que pintores ao longo do tempo retratem sua imagem em seus quadros de forma magistral. É também o que está presente quando duas crianças estão jogando. Tudo depende de interpretações e da intencionalidade de quem o aprecia.

As possibilidades são muito mais interessantes do que as afirmações. E sabem porquê? Porque são infinitas. As afirmações não o são porque esbarram na realidade e seus fatos. As possibilidades são possíveis, não afirmativas. É o que faz com que você, leitor, possa ou não me dar crédito. Nada disso aqui é verdade, é possibilidade. É jogo... de palavras. Minha interpretação vocês já sabem. A intencionalidade, essa é um segredo meu. Mas é possível que vocês me perdoem por essa mentirinha...

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Eis a cena

Uma partida de xadrez nunca começa no instante em que o primeiro movimento – das brancas sempre, nunca se esqueçam disso -, é realizado. Os jogadores de alto nível têm nos mostrado cada vez mais essa máxima, já que gastam dias, os exagerados meses, se preparando para determinada partida contra determinado adversário jogando com uma determinada cor uma determinada variante de determinada abertura jogada em determinado torneio em determinado ano. Com tantos determinantes, é possível ainda alguma surpresa?

Sim, sempre haverá as surpresas em uma partida de xadrez. Não importa o quanto você esteja preparado, ela dará as caras no momento menos esperado, configurando assim a surpresa. E por que isso é uma máxima? Porque o xadrez é humano, demasiado humano.

A surpresa em uma partida desperta sentimentos ambivalentes, já que para aquele que a realiza representa uma força extra incalculável em rating FIDE. Para o que leva o golpe, hummm... Aquela sensação de fraqueza, de que algo escapou de seu controle, e da necessidade redobrada de manter a calma.

Tudo isso que foi dito é introdução. Agora vem o que interessa. Eis a cena:


Dois mestres internacionais vão se enfrentar em um torneio. É um torneio fechado, daqueles em que os jogadores presentes são convidados. Vale tudo: rating FIDE, norma de mestre, só chute embaixo da mesa que não vale. Todos enfrentarão todos, como de costume nos torneios fechados. E agora eles irão se enfrentar.

Um deles chega atrasado. Não muito, cerca de dez minutos. O outro está tranqüilo tomando um café, um semblante de confiança, como se esperasse sua presa que tarda, mas não falha. E ela chega.

Sentam-se simultaneamente, cumprimentam-se. O atrasado ainda se dá o luxo de preencher a planilha antes de iniciar de fato a partida. Ele está de pretas e anota calmamente o lance branco. Respira fundo, cumprimenta novamente o adversário. E agora começará.

Ambos estão jogando ao toque. Isso significa que ambos estão querendo demonstrar que sabem o que estão fazendo, e sabem tanto que são capazes de fazê-lo rápido, sem pensar, demonstrando que muito já foi pensado antes dessa movimentação automática das peças. E isso se segue até o 19° lance: Tec! Tec! Tec! Tec! Tec! Tec! O relógio não tem tempo nem para respirar.

Um silêncio repentino. Fúnebre. Finalmente ela chegou, a surpresa. Acabou a teoria, hora de pensar. Um lance inesperado, completamente inesperado. O pontual de arruma na cadeira, e o atrasado olha vagarosamente seu adversário sentado ali, bem a sua frente, com certo ar de crueldade, de quem sabe que ali alcançou alguma superioridade. A velocidade com que ele movimenta os olhos do tabuleiro para o rosto de seu adversário parece ensaiada de tão perfeitamente contínua. O atrasado toma um gole de café. Fica observando. O pontual quase não se move. Se não fossem seus olhos atentos e agitados que acompanham as casas do tabuleiro de maneira aparentemente desconexa, ele estaria imóvel naquela cadeira. Seu café está esfriando e ele nem se importa. A surpresa agindo...

Não me lembro o resultado desta partida com certeza. Se não estiver enganada, foi um empate. Mas da cena, essa sim, me lembrarei sempre. Com detalhes.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Nos bastidores da mente.

Notas introdutórias:
1- este texto baseia-se em dados empíricos (acredite se quiser);
2- qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência;
3- é o que eu sempre digo: xadrez é bom, mas é muito difícil (sabedoria matonense).


O que não se vê nas partidas, mas que não deixa de existir: o lado bizarro e divertido das análises que motivam as jogadas, sem cortes e sem censura! Especialmente para o Xadrez de Quinta!

Brancas: Capivara X
Negras: Capivara Y
(que originalidade nas incógnitas, hein?)

1. e4 .... (Vixe, mas ele não joga sempre d4?! Que palhaçada é essa? Lá vem preparação... Ai, estou ferrado!)

1. .... e5 (Jogar tranqüilo, vai. Se me ganhar, vai ser jogando xadrez! Sem decoreba, xadrez clássico!).

2. Cf3 (em menos de 5 segundos, só o tempo de anotar o lance adversário...)

2. .... (Eita! Ele também contava com isso? Nossa, e agora? Já gastei 5 minutos nesse blá blá blá... Ele já percebeu que estou medo, tenho certeza! Já sei: vou jogar rápido também, quero só ver!)

2. ... Cf6 (seja o que Deus quiser!)

3. Cxe4 (3 segundos) d6 (2 segundos! Há-há, ganhei!)

4. Cf3 (2 segundos) Cxe4 (Idem. Tudo tem limite, né?)

5. d4 ... (Peraí: ele pode estar jogando rápido só porque essa é uma abertura decorada, vai ver ele nem entende o que está fazendo... Se eu surpreendesse ele com um lance diferente? Será que teria efeito? Acho que não. Afinal, ele está de brancas, vai querer ganhar, e eu que estou de negras devo primeiro igualar a posição, depois ousar. Olha lá eu de novo querendo colocar as carroças na frente dos bois... Xadrez é jogo de paciência, não se esqueça disso! Não foi por isso que você começou? Então... A mamãe só deixava porque eu dizia que ia me ajudar na escola... Calma, respira... Isso, agora relaxa, é só o quinto lance... isso vai demorar... Que droga!)

5. ... d5

6. ... (Finalmente ele está pensando! Bem feito, agora deve ter esquecido de tudo! Vou até tomar um café...)

6. Bd3 (cinco minutos depois...) Cc6 (Sem pensar. Agora eu é que estou no comando! Vamos ver quem é mais rápido... Mas... e depois de c4, o que joga??? Vixe... Nossa, deveria ter almoçado... Que fome!)

7. O-O (5 segundos) ... (Mas de novo??? Esse cara está de brincadeira... Pára de falar e pensa, vai! O que eu jogo?)

7 . .... .... (Jogar o mais simples ou complicar? Bom, vamos pensar: Bd6 é interessante, mais ativo... Mas Be7 vai mostrar que eu respeito ele, o que é verdade. Para que complicar tanto? O empate está ótimo para mim... Mas claro, ele vai ter que pedir, eu jamais faria isso! Jamais! Be7 ou Bd6? Ai... que dúvida! )

7. ... Be7 (Seja o que Deus quiser! – 5 minutos depois...)

8. c4 ... (Eu sabia! Sabia que ia jogar c4? E agora, o que eu faço? Ai meu Deus... Calma... Vamos pensar de novo: por que ele jogou c4? Hummm... Bom, preciso de um plano, e rápido. Já sei! Cb4 e daí quero ver para onde ele vai com esse bispo... Ganhei um tempo! Ou não?!)

8. ... Cb4

9. ... (dez minutos! O que será que ele pensa tanto, meu Deus? Só tem três possibilidades, oras! Be2, Bc2 e deixar o bispo ali... Tomara que ele deixe, eu tomo na hora! Sem pensar!)

9. Be2 ... (Vixe... o mais tranqüilo. To vendo eu aqui até as oito da noite... Aquelas posições paradas, mortas... Haja paciência! Vamos agilizar então...)

9 . ... O-O

10. Cc3 ... (Olha só! Esse lance é bom, hein? Ele ta ficando com um centro ativo... Impressionante. Acho que vou começar a jogar isso de brancas!)

10. ... Bf5 (Deve ser isso mesmo. O que jogar? Esse parece óbvio... Mas... peraí... Se a3 agora??? Ai, ele já tem apoio para b4, vai vir com tudo... Isso, bem feito, quem mandou jogar sem analisar? Agora vai se virar para recuperar a iniciativa, se é que tive um dia... Mas peraí... Não pode b4 imediatamente! Olha o cavalo caindo em c3! Há-há! Como sou capivara mesmo... É, mas ele pode preparar né... Com Bd2... Ou seja, ele tem uma seqüência de lances bons, ou pelo menos idéias de lances, e eu não, nenhuma idéia de como seguir essa variante... Excelente! Agora que eu não empato mes... ) Anh???

11.
- Eu disse que proponho empate.
- Não pode ser!
- Quer dizer que você não aceita?
- Não, não é isso... Nossa, achei que estava pensando, mas acabei falando... É claro que aceito! (Ele deve estar com medo... Medroso!)

terça-feira, 3 de julho de 2007

Alegria! Alegria!

Para Wanderley Cason Melo, o Canarinho. Seu vôo não foi em vão, meu caro.

E não é que depois do café ele aparece, semblante tranqüilo, sorriso amarelado, o cigarro sempre na boca. “Como você suporta fumar isso?” – era a pergunta recorrente. “Você não viu nada, tem coisas muito piores.” – resposta recorrente. Passava a mão no rosto, como um tique nervoso. E sorria. O diálogo era sempre leve e cheio de tiradas bem pensadas porque espontâneas, passadas somente no filtro mais generoso, que é o coração. E era cada diálogo...

O curioso era que tudo surgia na análise das partidas. A rotina era a mesma: uma mesa, muitas cadeiras, muitas pessoas, um tabuleiro, peças, eventualmente um relógio perdido, muitas mãos. Todas elas opinando. Mãos de todas as idades. Não basta pensar o lance; tem que participar. E sempre era assim, desde o começo.

E não falo do meu começo, falo do começo dos tempos. Daquele começo que começava sempre com um chamado: “E então, vamos ver o que aconteceu?”. As discussões eram acaloradas, pois todos buscavam a verdade. Raramente havia concordância, e isso tornava aquele momento mágico. Mágico porque todos discordavam profundamente, e então se aprendia algo. Todos aprendiam. A discórdia sábia dos que se abrem a novas opiniões, a novos olhares sobre a mesma coisa: o tabuleiro e as peças.

Não se falava só sobre xadrez. E mesmo quando o foco era ele, não era nada convencional: trilha sonora, expressões inventadas, análises bizarras... Ensinamentos poéticos: “O importante é jogar o mais simples. Essas complicações aí... Isso é bobagem. Joga Be2, tranquilinho... E vai dar tudo certo. Deixa o bispo ali, pra que levar ele para longe?”. Sim, as peças ganhavam vida, tinham personalidade e saber ouvi-las naquele momento era o mais importante: “A torre está tão bem aí em e1... Pra que tirar ela daí? Qual a idéia? Deixa... Em e1 ela tá bem mais feliz.”. “Vixe, aqui tá perdidinho...”. Era isso. Ou quase isso. Ou tudo isso.

Nas viagens, o banco da frente era lugar cativo. “Também, com esse tamanho de perna...”. Ninguém se importava. O co-piloto mais bem-humorado: “Você sabe onde está indo? Tá virando pra lá, pra cá, com uma confiança...”. Risadas, muitas risadas. Lágrimas de riso.

Depois da análise, vinha a boemia. Uma cervejinha para descontrair, caipirinha sem açúcar... “Isso é pinga com limão!” – “Nada, é que açúcar faz mal.” Uma lucidez repentina sobre a posição. “O que tá acontecendo? Você tá meio nervosa, fazendo uns lances esquisitos... O que você anda estudando? Essas sicilianas malucas não é para você não... E essa fixação por rocar grande, hein?”. Descobertas sobre a vida além-xadrez. Notícias sobre família, filhos, netos. O enxadrista no dia-a-dia. Paixão pelo Cinema. Sabedoria sobre a Literatura. Experiência de uma vida dedicada ao xadrez.

“Sabe por que esse jogo é bonito? A gente joga, joga, estuda, estuda... E nunca sabe como ganhar desse danado! O xadrez sempre te vence.”
esta vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem
-Paulo Leminski-

terça-feira, 19 de junho de 2007

Sobre a máxima “Jogar xadrez melhora sua capacidade para jogar xadrez.”

Esse texto poderia ter como título “Tive uma idéia!”, assim mesmo, com exclamação, já que minha última passagem por aqui foi um tanto quanto sem graça, melancólica e nada original. Mas a causa de tantos adjetivos negativos era essa mesmo, a falta de assunto. Uma maré de falta de criatividade. Um pouco de tristeza diante de certos momentos da vida... Mas o bom de tudo é que isso passa, e passa mesmo! A idéia de hoje pode até não ser das melhores- pensando que um dia já existiram boas idéias, enfim... -, mas é uma idéia de alguém entusiasmado, cheio de vigor para dizer algumas coisas simples, fáceis de perceber desde que se tenha ouvidos e alma abertas. Vamos ao texto, então? (Deveria estar tudo entre parênteses ou somente essa frase?).

Puxando aqui na memória – que os enxadristas têm desenvolvida em alto grau, não é o que dizem? -, meu ensaio de palavras acontece desde os 17 anos. Claro que estou aguardando o dia da estréia, mas enquanto isso não ocorre, continuo aqui buscando sentido não só nessa iniciativa – buscar relações entre o xadrez e a vida, ou seja, o para que-, mas também mergulhando na própria ação, o porquê. Não vou responde-las agora, até porque não sei, mas essa máxima aí em cima, que titula essas palavras, inclusive, tem me intrigado bastante, justamente porque vejo nela um potencial explicativo para todas essas inquietações. Sim, irei explicar.


Jogar xadrez é completamente diferente de escrever sobre xadrez. (Certas obviedades precisam ser ditas, às vezes, escritas, gritadas, pichadas nos muros). Mas como faço as duas coisas, preciso então estabelecer uma diferença, por mínima que seja, já que a diferenciação costuma ser um método eficiente nos processos explicativos. Pois bem, tenho mais um achismo para acrescentar na comunidade enxadrística: jogar xadrez melhora nossa capacidade para jogar xadrez, simplesmente isso. Não há uma proporcionalidade, muito menos reciprocidade entre força enxadrística e escrever sobre xadrez, por exemplo. (Não vou dizer que, no fundo no fundo, acho que não existe relação nenhuma entre força no xadrez e força ou qualidade em qualquer outra coisa, mas como isso traria polêmicas demasiadas, deixei para lá. Aconselho vocês a fazerem o mesmo, pelo menos por enquanto.).


Claro que uma decepção repentina nos bate a porta quando percebemos que anos e anos de aprofundamento no jogo de xadrez, buscando suas verdades, não explicam a vida nem muito menos ajudam em qualquer outra tarefa. Tudo bem, sei o que vão alegar: jogar xadrez melhora concentração, memória, capacidade crítica, racionalidade, método, criatividade, e tantas outras coisas que poderiam – e acredito piamente que um dia irão- estar todas dentro de uma mesma cápsula, que tomada duas vezes ao dia, torna todos igualmente inteligentes. O que acontece é que o potencial e a positividade de jogar xadrez não estão no próprio Xadrez – em letras maiúsculas, como uma entidade mítica ou um conceito metafísico-, mas sim na atividade que nos proporciona a capacidade de estar constantemente treinando o pensamento a pensar. Corrigiria a frase de Goethe assim: “Xadrez é uma das ginásticas da inteligência.”. Chega dessa platonismo barato com o xadrez, minha gente!


Xadrez é lindo, extremamente prazeroso, desafiador, intrigante, interessante, histórico, estético, concordo com tudo isso. Mas ele tem seus limites. O limite é o próprio jogo, e o que ele pode oferecer. O xadrez não explica a vida, isso é uma bobagem. O que explica a vida somos nós, as pessoas. Em outras palavras: jogar xadrez não é tudo, e se escrevo sobre ele aqui é porque não jogo só xadrez, mas também penso nele de forma criativa, como um mote, um tema, um estilo de linguagem. No meu caso há uma coincidência entre o treino que tive e ainda tenho todos esses anos de como usar meu pensamento, e o resultado desse exercício, ou seja, escrever sobre a mesma coisa que me movimentou e movimenta a mente. E é só isso mesmo. Não são essas linhas que me tornará uma Grande Mestre, tenham certeza.


Agora vem o momento libertador: não sofra como eu sofri por ouvir durante toda minha infância que “quem joga xadrez é ótimo em Matemática!”, sendo que durante muitos anos sofri nas recuperações do colégio, me matando de estudar porque não conseguia a tal facilidade para Matemática que tanto me falavam, embora já estivesse a todo vapor nos estudos do xadrez. Estão se sentindo mais leves, não é mesmo? Então encerrarei brevemente.


Não estou desqualificando o jogo de xadrez. Eu realmente gostaria que todas as crianças jogassem xadrez, mas não porque é uma matéria na escola ou porque faz bem para a memória, mas acreditando na sabedoria de uma escolha entre tantas possibilidades de exercício da mente, na qual o xadrez torna-se mais charmoso e sedutor. Intenção: é isso que diferencia jogar xadrez de escrever xadrez. Não jogarei melhor porque escrevo, nem escreverei melhor porque jogo. E não há problemas nisso. Quando jogo, o exercício busca a vitória, a superação. Quando escrevo... Bem, no meu caso quero somente ser ouvida (facetas do egocentrismo, vocês entendem....).

terça-feira, 17 de abril de 2007

Do arrependimento.

Este texto será breve. E confessional. Por isso breve.

Começo com uma generalização. Muitas são as tentativas de explicar a origem da linguagem. Algumas delas me parecem cutucar a Verdade. Outras fazem cócegas nela. O que interessa é que apesar de sedutoras, a única idéia que utilizo aqui - e aqui começa a especialização - é a linguagem a partir da experiência.

Experiência, segundo outros tantos que pensam sobre outras tantas coisas mais, é algo fundamental para entendermos alguns tipos de conhecimento. Experimentalismo, Empirismo, e outros "ismos" estão por aí partindo dessa idéia simples: a experiência.

Porque estou dizendo tudo isso também é simples: quando me propus a falar sobre xadrez (sim, eu falo sobre xadrez, não escrevo, espero que essa diferença fique bem clara a vocês, ouvintes e não leitores), tive como base somente a experiência. Boas, ruins, péssimas, cômicas e infinitas, em alguns casos. O que acontece é que ela me possibilitou a linguagem, e para alguns, certo tipo de conhecimento. Tudo bem, quanto a isso não tenho maiores problemas... O que acontece é que as vezes me arrependo. Isso mesmo, discordo de mim mesma e acho que cometi equívocos irreparáveis falando de xadrez. Supresos com a confissão?

Eu mais ainda. Por exemplo, estou me arrependendo nesse exato instante. De ter dito a vocês, meus caros e pacientes ouvintes, que eu não sei é coisa nenhuma de xadrez. E portanto, essa linguagem aqui está um tanto quanto ultrapassada. De qualquer modo, percebendo o erro resolvi nessa metalinguagem dizer que pretendo melhorar. Bons e lúcidos textos sobre xadrez virão.

Preciso de mais experiência. Experiências, melhor dizendo.

Enquanto não tiver umas boas, falarei comigo mesmo.

(Se arrependimento matasse...)

terça-feira, 13 de março de 2007

Memórias de uma não-campeã.

Somente pensar que poderia ter sido diferente não basta, muito menos resolve os problemas. Acaba virando piada como aquela seção da revista Superinteressante que divaga sobre os "se"s: se o Brasil falasse inglês... se o homem não tivesse chegado na lua... se dois mais dois não fossem quatro... Ou seja, não chegamos a lugar nenhum porque partimos do nada.

Uma alternativa seria a auto punição. Estar munida de chicotes e maus pensamentos e começar o ritual de purificação, aos berros de “Minha culpa! Minha culpa”. Que a culpa é minha todos também sabe, mas as condições de temperatura e pressão, a posição dos astros, a noite mal dormida, a sorte... Hummm... Onde estaria a sorte quando eu precisava dela? Talvez atendendo o outro lado, é possível. Da próxima vez serei mais ligeira.

Outro caminho possível: reflexão. Sim, refletir pode ser um caminho para entender o que se passou. Racionalizar. (Forjar argumentos) Sistematizar variantes de acerto e erro. Compreender em termos de boas e más escolhas. A modernidade permitiu isso ao homem, tirar os olhos de Deus da história e ver tudo horizontalmente. Olha-se os lados, nunca o céu. No máximo olha-se para dentro. Não há respostas aos enxadristas que as buscam no céu.


As memórias que tenho são lições. Não só enxadrísticas, pois agora sei que rocar grande jogando com as negras talvez não seja a melhor das escolhas, assim como me alertaram sobre um e5? que faço questão de interrogá-lo duas vezes, literalmente e por escrito.

As lições de humildade. Aquela que sustentou os samurais, grandes guerreiros. Paciência. Amor. Desprendimento. Competir é um ato de coragem, pode causar danos imprevisíveis. Disse uma amiga: “Sabe, quando perco uma partida é como se tivesse perdido uma pessoa.”

Campeão é apenas o primeiro, o um. Depois vem todo o universo. Será esse um texto coletivo?


domingo, 4 de fevereiro de 2007

À la brasileira!

Assim que aprendemos a jogar xadrez, digo, a movimentar as peças, nossa primeira grande motivação é movimentar a Dama e a Torre. Minha hipótese sobre esse fato – porque isso é um fato, quero ver alguém dizer o contrário! Lembrem-se de sua infância no xadrez... -, é de que, no caso da Torre, ela é a peça mais desprivilegiada e, porque não, injustiçada na configuração inicial de uma partida de xadrez. Nos cantos ela não faz absolutamente nada, a não ser com a brilhante seqüência a4, Ta3!!! Como os dois primeiros lances de uma partida, que todo mundo já jogou algum dia... Já com a Dama a lógica é outra. Ela é a peça mais poderosa, é assim que aprendemos e ensinamos, e portanto a ansiedade de explorar seu potencial faz coçar as mãos! Aí vem aqueles lances... A Dama saindo loucamente sem destino, rumo ao nada.

Porém, não podemos ser tão cruéis assim com a teoria enxadrística. Nos recusamos a aceitar determinados lances por puro preconceito e porque não, um tanto de senso comum. Nossas jogadas acabam sendo pensadas pelas cabeças dos outros, não havendo um componente criativo real, somente uma reprodução de lances que aliviam nossa consciência porque se enquadram dentro de um sistema reconhecido... O problema não se encontra nas aberturas, mas no modo como pensamos para adotar tal ou qual variante. A idéia da abertura é continuar o jogo, meus caros! Ou seja, deve haver um objetivo, uma lógica para que o bonde siga andando...

E é por isso que hoje apresento a vocês a Defesa Brasileira. Sim camaradas, no melhor estilo Policarpo Quaresma de Lima Barreto, que foi chamado de louco por propor a língua tupi como idioma em nosso país, um brazuca abalou as estruturas propondo o audacioso 2. ... De7! Vejam o diagrama:

Posição após 1.e4 e5, 2. Cf3 De7!

Esse sistema foi introduzido na comunidade enxadrística pelo MI Hélder Câmara, renomado cronista sobre nossa modalidade, em 1954. A proposta é simples: sabem a tradicional Índia do Rei? Bem, a idéia é jogar Índia do Rei contra e4! Mais brilhante impossível!
Uma abertura clássica e vencedora como a Índia do Rei em versão brasileira! E pós- moderna, já que dá as costas para uma lição do célebre Xadrez Básico que ensina para onde a Dama não deve ir nos primeiros lances... Inspiração pura.
Segundo o site do próprio criador (http://www.hcamara.com.br/teoria.htm), que denomina a variante de Defesa Câmara (nada mais justo), há um interessante relato de seu surgimento, sua idéia estratégica, toda a contextualização da criação.

Como não entendo muito de xadrez - apenas especulo-, quero valorizar aqui o momento criativo. Notem o detalhe: toda pessoa em seus primeiros passos no xadrez, especialmente se criança, tenta por intuição essa idéia de De7! (Insistirei em exclamar até o fim do texto!). E por que a idéia não vingava? Porque é preciso ter muita coragem para contrariar a tábua dos 10 mandamentos do xadrez – primeiro mandamento, não moverás a Dama nos lances inicias... Só mesmo um brasileiríssimo para estufar o peito e proclamar na careta e pacata sociedade enxadrística a Defesa Brasileira! Uma releitura da Índia do Rei, modernismo artístico em plano território tupiniquim!

Para quem se interessar, sugiro o site do autor Hélder Câmara, e o interessante “Home Page da Defesa Brasileira” (bilíngüe): http://www.geocities.com/Colosseum/Bench/4044/ , incluindo uma base de partidas.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Salva de palmas!

Primeira mulher disposta ao embate: Jaqueline Pamplona Corrêa, de Jaraguá do Sul/SC.

Espero te ver nos Regionais e Abertos!!!

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Cadê vocês, meninas?


Contextualizando: no estado de São Paulo, cerca de meio século atrás, era inaugurado os Jogos Regionais, uma competição hoje tradicional em nível nacional. Seu antecedente é o Jogos Abertos do Interior, que já comemorou seus setenta aninhos. A idéia é interessantíssima. Atletas de várias cidades de São Paulo se reúnem em competições que se prolongam por em média quinze dias, cabendo a cidade que agrega os melhores de cada modalidade o título de campeã.

Com o xadrez, que é modalidade reconhecida como esporte – sim, recebemos um crachá de identificação escrito “atleta” no início das competições! –, vários modelos de disputa já foram experimentados. Em míseros oito anos de participação em Jogos Regionais e cinco de Jogos Abertos (explico o desfalque: nos Jogos Abertos só se encontram os campeões...) já competi em três formatos distintos. Equipe com três tabuleiros, com quatro tabuleiros (que é a composição atual), em categorias (hoje é dividido em sub-21 e absoluto, além da categoria especial que não é para o meu bico, e que reúne nos Jogos Abertos os campeões dos campeões, numa espécie de torneio fechado. Os GM estão todos lá.).

Existe a clássica divisão feminino e masculino. Porém, as mulheres podem jogar no masculino, o que não é comum, ao contrário dos meninões, que só podem ficar entre eles. E está formado o cenário: equipes de uniforme, plaquinha com o nome da cidade que representa, tudo nos conformes. O ritmo é o mais apropriado para que haja uma partida decente: uma por dia, 1h para 23 lances+ 1h nocaute. Coisa linda.

Graças a esse tipo de competição, muitos enxadristas sobrevivem. Isso porque as cidades investem nos atletas (não se esqueçam que enxadrista é atleta!), fechando contratos interessantes para os jogadores, um meio de sobrevivência para muitos. Não se recebe em dólares, mas de qualquer modo é uma ajuda e tanto para enxadristas que não têm patrocínios.

Pensando nesse esquemão todo, um Mestre teve uma brilhante idéia. Krikor Mekhitarian (êta nome complicado de escrever e pronunciar!) criou um blog (http://procuradejogadores.zip.net/), na tentativa de ajudar os enxadristas a se comunicarem e facilitar o processo de formação de equipes para os Jogos Regionais e Abertos. Afinal de contas, não é regra que os integrantes sejam da mesma cidade que representam, pelo contrário. Dificilmente isso acontece. Muitas questões éticas podem ser levantadas sobre esse respeito, mas sinceramente não acredito que o apoio ao xadrez deva ser interrompido por um critério tão pequeno, tão irrelevante principalmente para o enxadrista que viaja o Brasil inteiro em busca de aperfeiçoamento. O localismo definitivamente não é um requisito do xadrez.

Achei genial a idéia, ainda mais se considerarmos que a internet está para o enxadrista, assim como o enxadrista está para a internet. Fiquei muito satisfeita em ver enxadristas de todo o Brasil, de estados até distantes de São Paulo, interessados em participar dessa verdadeira festa do xadrez paulista. Mas... cadê as meninas? Alguém viu alguma menina da lista dos interessados?

Sim, existe uma categoria feminina, inclusive bastante disputada, jogadoras fortíssimas, entre elas algumas estrangeiras, participam do evento. Embora o número de equipes femininas venha crescendo anualmente, o número não chega perto do número de jogadoras no Brasil. Fiz um levantamento inicial, somente considerando mulheres que jogam xadrez, e cheguei a um número bem maior do que mil. Não vou divulgar detalhes da pesquisa porque ainda não está concluída. Mas me diga: por que essa mulherada toda não está nos Regionais e nos Abertos?

Para quem não sabe, é a maior dificuldade encontrar meninas dispostas a disputar esses campeonatos. Posso falar isso porque já vivi essa situação, de procurar meninas e nada! Não quero entrar em detalhes sobre a dificuldade de viajar, problemas com os pais, essas coisinhas todas que todos sabem que existem, seja para o xadrez seja para qualquer outra coisa. É totalmente cultural. Mas o que me intrigou e de certa forma me entristeceu é não ver o interesse das garotas, justamente quando surge uma possibilidade como essa, um espaço virtual de encontro para a formação de equipes. Por que as garotas não querem jogar uma das competições mais tradicionais do país? Cadê as enxadristas do Brasil?

Será que todas as enxadristas já possuem uma equipe? Improvável.

No calendário da Confederação Brasileira de Xadrez (CBX), está programado o Brasileiro Feminino para a data do carnaval. Estamos a menos de um mês da data prevista e nenhuma notícia sobre uma possível realização. Cadê o xadrez feminino?

Não objetivo polêmicas nesse texto. Espero somente que as garotas, oh enxadristas do Brasil, se levantem e participem dos espaços enxadrísticos, porque estamos desaparecendo e ninguém está se importando.